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Contos Folclóricos

O trabalho que ora apresentamos aos leitores é uma simples contribuição ao estudo dos Contos Folclóricos recolhidos em Olímpia. A coleta de contos parece não ter fim. Quanto mais os recolhemos, mais aparecem para registro. Cremos ser necessários muitos anos de busca, para esgotar, se houver possibilidade, essa boa fonte de tradição brasileira. Mas, para isso, é preciso termos boa vontade, entrando no campo da pesquisa direta, investigando e recolhendo, através de gravação, todo o material descoberto. E mais que isto: fugirmos do ambiente turbulento no qual vivemos, para ouvir as gravações e passa-las, com fidelidade, ao papel. Assim, estaremos realizando trabalho honesto e proveitoso. Depois, cataloga-los, organizar o fichário e os apontamentos, em pastas, a fim de facilitar a consulta.

É trabalho cansativo e ao mesmo tempo agradável. Cada pessoa ou família visitada, no princípio da noite, recebe-nos com satisfação e hospitalidade. A televisão é desligada e o encontro se estende, até as 22 horas. No decorrer das coletas, são servidos café, chazinho, a tradicional pipoca ou outras guloseimas.

Boa platéia nunca falta aos narradores e o ambiente é de muita atenção e alegria. Consoante à natureza do conto, ao ser terminado, pode provocar uma leve tristeza aos ouvintes, ou um estrídulo de risadas em diversas tonalidades. Muitas pessoas presentes relembram casos interessantes e ganham ânimo para narrá-los. Ocorre, às vezes, ser um conto conhecido de duas ou três pessoas, com temas diferentes e pequenas variações do assunto. Isto nos proporciona ocasião para documentarmos as variantes, dando-se oportunidade a todos os que queiram contar. Agindo assim, ser-nos-á possível aquilatar o valor dos narradores e de suas estórias.

Após essa primeira parte, voltamos a casa com a fita carregada de palavras, para dar início à lucubração que se prolongará até a madrugada.
“Verba volant, scripta manent.”

Com muita admiração e respeito ao contador de casos, bem poderíamos cognominá-lo, carinhosamente, de Pai João, se homem e, de Mãe Maria, se mulher, porque, no Brasil, essas duas figuras interessantes da história africana tornaram-se símbolos dos narradores de estórias. De fala mansa, resignados e amáveis, se tornaram queridos de todos. Contavam histórias e muitas patranhas. Patranha é história não verdadeira, como a série que compõe este trabalho, mas que também nos ensinam a conhecer tudo quanto de habitual existe no homem. São importantes as patranhas.

Em Contadores de Patranhas, estão unidos, num amável consórcio, dezessete contos, recolhidos em Olímpia, Estado de São Paulo, mas que não são estritamente olimpienses. São contados em todo o Brasil e alguns deles universalmente conhecidos.

Eles nos fazem voltar ao tempo de menino, porque são emocionantes.
Divulgar a sabedoria do povo é, sem dúvida alguma, de muito valor, porque é alicerce para a identificação cultura da sociedade.

Os narradores podem ampliar ou esquecer pormenores, mas os traços gerais do assunto permanecem. São sempre os mesmos.

Ao editarmos esta coletânea de contos, conservamos as palavras, “verbo ad verbum”, como foram pronunciadas, e do mesmo modo, as idéias prolatadas. Com isso esperamos estar contribuindo para um registro fiel da fala do povo e da construção de sua idéia, além de mantermos uma atitude de respeito aos contadores, o que consideramos essencial.
Finalmente, desejo aconselhar a leitura deste trabalho, para que todos possam deliciar-se com esses inconfundíveis tesouros da Literatura Oral, deixados por nossos ancestrais. É dever, principalmente da juventude, ler e analisar esse manancial do saber popular, porque traz valorosas informações que dão oportunidade de apreciação dos valores da nossa gente. Os contos revelam informações históricas, etnológicas, sociológicas, jurídicas e sociais.
Não foi sem razão que o grande e imortal Luís da Câmara Cascudo assim se expressou: “De todos os materiais de estudos o conto popular é justamente o mais amplo e mais expressivo. É também o menos examinado, reunido e divulgado.”


1 – APUROS DO MATUTO

“Diz que certa vez um homem muito caipira, que morava numa chocha, no meio de um mato, preciso fazê uma viagem às pressa, pra visitá o pai que tava nas úrtima.
Então ele falô pra muié:
- Pega uma muda de ropa e a botina nova e põe no picuá, que não vai dá tempo de trocá de ropa.
Pegô o picuá e saiu c´a ropa que tava no corpo. Ele tinha trabaiado o dia intero e tava sujo, a ropa tinha uns rasgado e remendo. Era a ropa de bate no serviço.
Ele ia de trem-de-ferro e como tava já na hora do trem passa, ele saiu correndo, ataiano o pasto pra chega mais depressa.
Quando chegô na estação, malemá deu tempo de comprá a passage e o guarda já tinha dado a ordem pr´o trem saí: piiiii, piiiiiiii! O matuto pegô o trem já em movimento. Entrô no carro, sentô e começô a gostá do baruinho, do chique-chique do trenzinho.
Só sei dizêe que de repente ele começôo a senti uma cocerinha danada, nas perna. Então ele levantôo a perna de uma carça, pra coçá, já levo umas espetada nos dedo. É que a carça tava cheinha de picão e carrapicho e tamém coaiada de carrapatinho que ele pegô no pasto e uma porção deles já tava grudado na perna do infeliz.
O homem ficô avexado co´aquela situação e entrôo no mitório do carro pra trocá e mudá de ropa de ele tava levano, pra aliviá o sofrimento.
Então, né, ele pegô o picuá e foi pr´o mitório. Lá, ele tirô a carça suja, rasgada, cheia de espinho e carrapato e ia guarda. Mas, logo pensô que não devia guardá, a carça já não valia mais nada. Abriu a janelinha do mitório e vape! Pinxô ela no mundo.
Áí ele abriu o picuá pra pegá a outra carça, mas deu co´os burro nágua. É que a muié dele, naquela afobação pra ele não perdê a hora, esqueceu de botá a carça. Pôs só a camisa e as botina. A carça ficô em cima da cama.
O home, quando percebeu que tava em apuro penso:
- Tô perdido. Virô um tango! Agora o que eu vô faze?
E, no mesmo tempo, ele rezava e xingava. Ele ficô tão desatinado que em toda estação que o trem parava, ele abria a janelinha, punha o pescoço pra fora, e perguntava pr´as pessoa da plantaforma se não queria vendê a carça. E nada! Ninguém podia vendê a carça pra ele. O home já tava na porta da locura, porque na outra parada da estação ele tinha que descê. Era a cidade pra onde ele tava indo. Como que ele ia fazÊ? Já era a vez de ele descê. Suava frio de tanto medo e vergonha. Enquanto ele tava fundino a cuca, teve até a idéia de pulá a janelinha do trem.
Então, nessa hora, o guarda-trem já preocupado porque já fazia tempo de o mitório tava fechado e tinha otras pessoa quereno entrá, bateu, com toda força, na porta. O homem quase desmaiô. Abriu a frestinha da porta, pôs a cabeça pra fora e contô o causo pr´o guarda. Por sorte, o guarda tinha uma carça de reserva, na maleta, a arranjô pra ele.
Ele vestiu e saiu pr´o lugar dele. Quando o trem parô, desceu aquele home magrinho, vestido co´aquela carça larga e comprida e saiu andando pr´o meio das rua feito um paiaço.
É esta a história.”
Contado por Jesus Carlos Batista, 27 anos (1990), pouca instrução, lavrador, residente na Rua Penha, 210-Bairro São José – Olímpia.

2 – O POBRE ASTUTO

“Diz que havia uma vez um homem pobre que tinha dois compadres muito ricos. Um dia ele disse pra mulher:
- Nossos compadres são tão ricos e nós não possuímos nada. Temos essa tapera pra morar e algumas bagatelas que não valem uma tutaméia.
Mas, ao falar isto pra mulher, ele se lembrou da mulinha que possuíam e com ela ia procurar tapear os compadres, pra ver se conseguia ganhar um dinheirinho. Deixou a mula alguns dias sem comida pra que ela ficasse com muita fome. Daí conseguiu arranjar, com muito custo, umas libras esterlinas e misturar elas no farelo. Misturou bem um cocho e pôs a mula pra comer. A mula, de tanta fome, comeu todo, o farelo e as libras esterlinas. Quando foi chegando na hora da mula estrumar, ele arreou ela e foi pra casa dos compadres. Todos eles moravam vizinhos.
Chegou na casa de um deles, apeou, amarrou a mulinha na lasca da cerca, cumprimentou o compadre e a comadre e ficaram proseando no alpendre.
Não demorou muito, a mula estrumou. Então ele se levantou, apanhou uma varinha e ficou mexendo no estrume da mula pra lá e pra cá.
O compadre, indignado, perguntou:
- O que você está fazendo aí?
- Catando libra esterlina.
- Catando libra esterlina?
- É. Esta mula é milagrosa e, quando estruma, eu cato algumas libras. Agora são poucas. Mas depois vêm outras.
- É libra esterlina mesmo! Ó compadre, você quer me vender essa mula?
- Não compadre, não posso. É ela que me salva a vida de pobre, ajudando com essa pequena riqueza.
Tanto insistiu que o compadre pobre acabou por fazer o negócio.
- Quanto o senhor me dá pela mula?
- Dou dez contos de réis.
- Então pode ficar com ela, mas tenho medo de não ter mais dinheiro nem pr´as despesinhas de casa.
Fiseram o negócio.
Ainda uma vez mais a mulinha soltou uma libras esterlinas, mas depois só era estrume mesmo.
O compadre rico contou o fato pr´o outro compadre rico e resolveram ir tirar satisfação com o pobre.
Foram até a casa dele e já chegaram gritando:
- Ó seu tapeador, vendeu uma mula que só estrumou libra esterlina naquele dia. Você me paga. Nós vamos pôr isto a limpo.
Antes que a discussão piorasse, o pobre convidou os dois ricaços pra um banquete que ele ia oferecer num hotel muito chique. Era somente para eles três.
- Deixa disso compadre. Você já nos passou a perna com o negócio feito co´a mula.
- Esqueça disso. Deixem a mula pra lá. Vamos no banquete juntos.
Mandou preparar peru, leitoa e servir vinho dos bons. Mas, antes que se assentassem à mesa, o pobre andou conversando secretamente com a dona do hotel. Pagou adiantado o banquete, e pra que ela guardasse o segredo, ainda deu uma boa gorja.
Comeram e beberam do bom e do melhor até não poder mais. Contaram muitos casos. Na hora de irem embora, os dois ricos disseram, um para o outro:
- Precisamos pagar as despesas. Este banquete deve ter ficado muito caro e o compadre é tão pobre.
Quando os dois ricões foram enfiando a mão no bolso para pegar a carteira, o pobre disse:
- Nada disso, compadres. Eu convidei e eu pago.
- Mas, você não tem dinheiro!
- Quem falou? Esta carapuça que eu trago sobre minha cabeça é tão poderosa que paga todas as dívidas que eu faço.
- Como assim?
- Querem ver?
Tirou a carapuça da cabeça, colocou ela sobre a mesa e disse:
- Carapuça, pague a dona do hotel.
E de lá da portaria, a dona do hotel disse pr´os três:
- Está tudo pago. Vocês não devem nada.
E o pobre, com muita satisfação, confirmou:
- Não falei pra vocês?
Daí um segundo compadre rico falou pr´o pobre:
- Compadre, me vende essa carapuça.
- Não, não, e depois onde é que vou arranjar dinheiro pra viver.
- Vende, sim compadre, Põe o preço.
- Bom, eu tenho uma outra carapuça encantada lá em casa. É mais fraquinha que essa, mas dá pra quebrar o galho.Então, eu posso vender essa, mas eu quero cinco conto de réis.
E recebeu o dinheiro.
Chegando em casa, ele contou pra mulher:
- Passei outra pernada nos compadres. À hora que eles descobrirem que é mentira, eles vão vir aqui e são capazes até de me bater. Mas, não tem nada não. Nós temos dois coelhinhos tão parecidos e quando eles chegarem bravos, vamos tentar pregar outra peça neles. Você diz que eu saí pra caçar. Estou na invernada, mas você vai mandar o coelhinho me chamar.
Não demorou, chegaram os compadres nervosos com o trote da carapuça.
- Cadê o compadre? Nós precisamos ajustar contas com ele!
- O meu marido está caçando. Entrem e esperem. Eu vou mandar o coelhinho chamar ele.
Foi ao viveiro, pegou o coelhinho, alisou ele e disse:
- Coelhinho, vai chamar o patrão.
O coelhinho desembestou numa corrida e ganhou o rumo da invernada.
O pobre, como estava ali perto escondido, deixou passar um tempinho e aparece com outro coelhinho nos braços, acarinhando ele e dizendo?
- Como vão compadres? Eu estava caçando pra passar umas hora, mas o coelhinho foi me chamar, anunciando visita.
Os compadres se esqueceram da desforra e logo perguntaram:
- Mas este coelhinho sabe levar recado?
- Claro que sabe. Vocês não viram?Minha mulher mandou me chamar e logo me farejou e eu vim pra ver o que era.
- Que curioso! Ó compadre, me vende esse coelhinho.
- Não faço negócio com este coelhinho. E depois quem me leva os recados?
- Ah! Compadre, vamos fazer o negócio. Eu pago bem pelo coelhinho. E pago na hora. Quanto você quer por ele?
- Bom, já que o senhor faz questão de ficar com ele, eu quero cinco mil réis.
Acertaram o negócio e lá foram os dois compadres embora.
O que comprou o coelho ensinou a mulher dele a mandar o coelhinho o chamar, quando alguém viesse à procura dele.
Não foi nada não. A primeira vez que a mulher do fazendeiro mandou o coelho ir chamar o marido, ele entrou numa quiçaça e até hoje não voltou.
Aí, o compadre pobre já fazia outro plano pra se livrar dos compadres ricos.
- Ó mulher, os compadres vêm aqui. Agora estou perdido. Mas vou tentar uma vez mais me livrar deles e ver se ainda pego mais uma graninha.
Então, ele combinou o seguinte com a mulher:
- Nós matamos aquele porco e guardamos o sangue numa latinha. Eu vou colocar aquele sangue numa bexiga e você põe dentro da roupa, na altura da cintura. Você, então, solta aquela pombinha que está presa no viveiro pra ela ir me chamar. Eu chego aqui e digo que você não mandou a pombinha ir me chamar. Ferramos numa discussão. Depois eu tiro a faca da cintura e te sangro. Você cai, geme e tinge de morta. Eles vão ver o sangue brotar da tua cintura. Depois eu pego um vidrinho de cheiro que vou preparar, levo o vidrinho no seu nariz e você ressuscita, perguntando o que aconteceu. Eles vão ficar assombrados e vão me perdoar mais uma vez. Combinado?
- Ah, marido, isto é perigoso! Os compadres podem não acreditar na história e aí a porca vai pr´o brejo. Eles te matam.
- Que nada! Os compadres são cabeças de burro. Deixe comigo.
A mulher, então se preveniu com a bexiga de sangue também com um vidrinho de cheiro que deixou no guarda-louça. E ele se pôs no esconderijo.
Mal ensaiaram o pega, aparecem os compadres ricos.
- Comadre, cadê o compadre?
- Ele saiu pra ir buscar uns paus de lenha no mato.
- Ele demora, comadre?
- Acho que vai de morar um pouco, por que saiu ainda agorinha.
- Mas, nós vamos esperar ele. O compadre tem feito nós dois de moleques. Faz tapeação e ainda pega o nosso dinheiro. Hoje nós queremos dar uma boa lição nele pra ele não ficar pensando que a gente é bobo.
- Sentem um pouco, compadres. Eu vou mandar a pombinha ensinada ir no mato chamar ele.
- Lá vem a senhora também com história, não chega o compadre ser tapeador?
- Não é tapeação, compadres. Quer ver?
Foi ao viveiro, pegou a pombinha e disse pra ela ir chamar o patrão. Depois soltou ela no ar.
Depois de muita demora, ele chega, trazendo alguns gravetos nas costa.
- Olá compadres, como vão indo? Faz tempo que vocês estão aqui?
- Faz muito tempo e estamos aqui pra te tirar a fama de enganador.
Então, né, o pobre vira pra mulher e diz:
- Por que você não mandou a pombinha ir me chamar?
- Eu mandei sim. Os compadres são testemunhas.
- Não mandou, porque ela não foi onde eu estava. E começaram uma discussão forte. Mandei, não mandou...
Quando a discussão estava muito violente, ele arranca a faca da cinta e dá uma facada na cintura da mulher.
A mulher dá um grito de dor e cai toda ensangüentada.
Os dois ricos, amedrontados, dizem:
- O que o senhor fez, compadre? Matar a comadre por causa de uma teima besta. Não precisava ficar assassino por nossa causa.
- Mas, não tem problema não. Eu tenho aqui em casa uma aguinha cheirosa que faz milagre. Foi no guarda-louça, pegou o vidrinho, abriu e chegou no nariz da mulher. Num segundo, ela respirou forte, abriu os olhos, levantou meio zonza e perguntou o que tinha acontecido.
Os dois compadres ficaram maravilhados.
- Que milagre! Compadre, nos venda esse remédio milagroso? Vai que um dia nós brigamos com as esposas, ficamos nervosos, acabamos matando elas. E depois, por encanto, com esse remédio fazemos elas viver novamente.
No começo o pobre fez a mesma chanha de sempre e por fim acabou cedendo.
- Já que é pr´os senhores, eu vendo este vidrinho.
- Quanto o senhor pede por ele?
- Cinco mil réis.
- Está feito o negócio! Deram o dinheiro e foram pra casa.
No caminho os dois ricos combinaram:
- Agora nós brigamos com as mulheres, matamos elas e fazemos elas ter vida de novo.
Já chegaram em casa, combinaram uma caçada. Pegaram os petrechos e saíram. Demoraram muito pra voltar. Chegaram já era noite. E por isso desentenderam com as mulheres. Conversa vai e conversa vem, e o fim foi triste. Cada um deu uma facada na mulher só pra mostrar o efeito do remédio milagroso.
As mulheres caem estendidas no chão. O de cá leva remédio no nariz da esposa. Nada! O vizinho vem buscar o vidrinho, dá o remédio pra mulher cheirar. Nada! As ensangüentadas estavam bem mortinhas.
E eles acabaram com a água milagrosa de tanto esfregar ela no nariz das esfaqueadas.
- Matamos nossas companheiras! Desta vez o compadre não escapa. Ele vai pagar por esta cilada. Vamos matar ele também.
Cuidaram do velório, fizeram os enterros. Agora os dois estavam viúvos e decidiram ir com tudo pra matar o tapeador sem-vergonha.
Enquanto isso o compadre pobre confessa pra mulher:
- Desta vez não escapo. Eles vão me matar. Mas, vou procurar um outro jeito pra sair dessa. Mas, mesmo que eles me matem, já não tem importância, você já tem algum dinheiro pra tocar a vida.
E estudou o modo de se livrar. Construiu uma armação de bambu bem maior que o tamanho dele e costurou ela com saco de estopa e deixou no quintal.
No outro dia, logo de manhã, lá vem vindo os dois viúvos ricos.
- Compadre, você fez a nossa infelicidade. Confiamos no remédio e você fez com que matássemos nossas mulheres. Agora vamos te matar. Não tem outro jeito. Você vai morrer também.
- Compadres, os senhores não me matem nem o tiro nem a faca. Prefiro morrer afogado. Me afundem nas águas do rio.
Os compadres disseram:
- Você morrendo é o que basta. Nós vamos te afogar.
- Olhem, aqui está a armação de saco de estopa. Eu entro nela e vocês amarrem bem amarrado e me joguem bem no meio do rio.
Despediu da mulher que ficou chorando, entrou na armação e os dois viúvos saíram carregando ele em direção do rio.
No caminho eles diziam:
- Coitada da comadre! Vai ficar sozinha. Mas não faz mal! Nós pagamos um tanto por mês pra ela e ela servirá pelo menos pra lavar nossas roupas.
Depois de andarem um bocado, ficaram cansados. Pararam, deixaram o pobre dentro da armação e foram num boteco próximo tomar uns goles de vinho.
Enquanto estavam bebendo, vem pela estrada um pastor tocando um grande rebanho de carneiros.
O pobre viu o pastor pelo vão da armação e começou a gritar:
- Ai, eu não quero casar com a filha do rei. Eu prefiro a morte, mas não quero casar com a filha do rei.
O pastor se interessou pelo assunto e se aproximou daquela armação.
- O que você está dizendo? Não quer se casar com a filha do rei. Por quê? Quer negócio melhor que este?
- Não, não quero casar com ela. Eles estão me levando contra minha vontade. Me tira eu daqui.
O pastor mais que depressa abriu a boca da armação e fez a proposta:
- Eu solto você. Você me amarre aqui dentro, eu vou no seu lugar. Ninguém fica sabendo da mudança e eu caso com a filha do rei.
O pobre sabido saiu e bem depressa amarrou o pastor dentro da armação.
O pastor ainda disse:
- Pode ficar com a carneirada pra você , como recompensa.
O pobre tocou apressado aquele bando de carneiros em direção da sua casa, antes que os dois ricaços aparecessem.
Não demorou muito tempo, vêm trolados de vinho os dois viúvos, pra darem vim ao tapeador.
Agarram a armação, dizendo:
- Está perto. Daqui a pouco você vai pr´o inferno! Você fez nós matarmos as mulheres, agora você vai pagar.
- Me soltem. Não fui eu, gritava o pastor.
- Não foi você? Você vai ver se foi ou não. Você logo vira comida de Peixe.
- Pelo amor de Deus, me soltem! Eu sou o pastor. O outro saiu daqui e eu fiquei no lugar dele.
Mas os dois estavam tão bêbados que nem entendiam aquilo que o pastor estava dizendo.
Chegaram no rio e soltaram a armação na correnteza. Já era noitinha. E voltaram realizados, satisfeitos, pra casa.
No dia seguinte, ao se levantarem, viram tantos carneiros bonitos, grandes e peludos no quintalzinho do compadre pobre. E pensaram:
- Onde que a comadre arranjou dinheiro pra comprar tantos carneiros?
E foram pra lá.
Assim que chegaram, foram recebidos pelo compadre pobre.
- Ué, compadre, você não morreu? Nós te jogamos no rio, ontem.
- Jogaram sim.
- Onde você arrumou esta carneirada?
- Uai, Vocês não me jogaram na beirada do rio? Se vocês me tivesse jogado no centro do rio eu teria tirado gado grande: bois, cavalos e burros. Mas, vocês me jogaram na beirada e eu só tirei essas porcarias aí. Vocês não querem me levar lá e me jogar bem no centro do rio?
- Não! Agora você vai levar nós, pra tirarmos gado graúdo. Nós temos fazenda grande e queremos bois, vacas, cavalos.
- Não! Se vocês quiserem, arrumem, então, as armações.
- E daí você leva nós?
- Levar nós, não.Vocês vão andando. Eu não vou fazer como vocês que me levaram. Lá na beirada do rio eu amarro as armações e jogo vocês no meio do rio. Nós vamos andando.
Os compadres ricos prepararam as armações e no dia seguinte foram os três para beira do rio.
Lá, o compadre pobre amarrou bem o primeiro dentro da armação e, depois, o outro. Aí, então, ele amarrou, uma pedra bem pesada na boca de cada uma delas. Os dois cismaram da mão e perguntaram:
- Pra que essa pedra, compadre?
- É pra vocês irem bem pr´o fundo . Vocês não querem gado graúdo?
- Solte nós, compadre. Não precisa amarrar estas pedras.
- Soltar como? Vão pr´o meio do rio. E plofe!, lá se foram os dois.
O pobre gritava:
- E vocês vão trazer muito gado. Todo graúdo.
E com a morte dos compadres ricos, o pobre e sua mulher ficaram milionários. Além dos carneiros que ganharam do pastor, ainda herdaram as duas fazendas dos compadres ricos”.
Contado por Antônio de Souza, 53 anos (1983), pouca instrução, barbeiro, residente na Rua Júlio Ferranti, 243, Bairro São José – Olímpia.

3 – O TOURO, O CAVALO E O PORCO

“Era um home que trabaiava na olaria e tinha um cavalo, um toro e um porco. Então ele pagava o cavalo e judiava do cavalo o dia inteirinho, trabaiano na pipa, massano o barro, co´aquela coaiera no pescoço, coitado. Ele sortava o cavalo só de tardezinha. O cavalo, muito cansodo, foi recramá pr´o compadre Toro.
Falo pr´o compade Toro:
- Hoje eu tô quebrado. Oia, o teu dono, que é o meu dono, me judiô demais, hoje. Massei hoje, barro que não foi brincadeira.
Aí o compade Toro respondeu pr´o compade Cavalo: Ah! Compade Cavalo, o senhor é bobo! Eu se fosse o senhor, amanhã cedo, à hora que vim buscá o senhor pra massa o barro, eu pegava e caía no chão e fingia que tava doente. Aí eu queria vê quem ele ia ponhá la? Porque onte ele ia tombá terra comigo e eu fiz a mesma coisa.
- Ah! Então é, compade Toro?
- É sim, compade Cavalo. Faz o que eu to te falano que vai dá tudo certinho.
Então, no dia seguinte, às três horas da manhã, o dono da olaria foi pegá o cavalo, de candeinha na mão. Chegô bem na moita de arranha-gato e lumiano assim viu o rasto do cavalo que tinha entrado de fasto, na moita, de tão veiaco que ele era. Chegô lá, o cavalo tava lá deitado na moita. Xingô, bateu no cavalo. Levanta, levanta, vai, vai, bateu outra vez, judiô.
O compade Toro de lá dava risada, sabeno da veiacada do cavalo.
O home judiô, judiô do cavalo e depois falô:
- Já que você não qué levantá memo, então vô pega toro pra massá barro hoje.
Foi lá e catô o toro. Catô o toro e o coitado massô o dobro de barro que o cavalo tinha massado no dia anterior.
Quando foi à tarde, ele sortô o toro no pasto que de tão cansado tava co´os chifre no nariz.
Aí o toro falo pr´o compade Cavalo assim:
- Boa tarde, compade Cavalo.
- Boa tarde, compade Toro. Como é que passô o dia hoje?
O compade Cavalo respondeu:
- Eu andei, andei, fui lá pr´o corgo. Fiquei lá massano barro, feito tonto lá co´aquela canga no pescoço.
Aí o cavalo disse:
- Digo, pois ele pegô eu mode massá barro hoje. Enquanto isso você descanso o dia interinho na moita. Forgado!
O compade Toro pegô e falô pra ele assim:
- Vamo fazê o seguinte: Amanhã cedo, à hora que ele vim pegá nós, nós pega nós dois, nós dois, heim!, nós deita e não levanta não. Larga esse home pra lá, o teu dono que é o meu dono.
No outro dia, o dono foi pr´o pasto e encontrô os dois lá no pasto, deitado. Cutucô um, não levantô. Foi co´a vara de ferrão no toro, ferrô, ferrô, xingô, bateu e ele não levantô.
- Ô vagabundo, hoje eu não posso faze tijolo.
Pegô foi embora. Aí o compade Toro levantô e falô pr´o compade Cavalo:
- Ó compade cavalo, que negócio é esse? O nosso dono só fica judiano de nós, fazeno nós de escravo, judia, bate ni nós. E o tal de fulano do porco? Fica lá no chiquero só comeno. Toma seus três banho, três vez por dia, né? Come do bão e do mió e nós sem siqué banho não toma. Nós toma banho quando chove e óia lá ainda. E além disso tem que puxá a canga no pescoço e o senhor tem que carregá coaiera.
O cavalo falo:
- É mesmo. Eu vô lá recramá com o compade Porco. Que que é isso? Nosso dono não pode fazê isso com nós.
Aí o cavalo foi lá chomingá co´o porco.
Chegô lá no chiquero:
- Boa noite, compade Porco.
- Boa noite, compade Cavalo.
- Óia, eu mais o compade Toro tava conversano ali hoje.
O porco já falô:
- Eu escutei memo. Eu bem que escutei memo vocês meteno a boca ni mim lá, falano mal de mim.
- Não, não é falano mal. A gente ta falano o que é certo... O senhor fica aí nesse chiquero ó, come, toma o seu banho três vez por dia e enquanto isso nós trabaia lá, feito tonto, na olaria lá, feito bobo.
Aí o compade Porco falô:
- Ah! Compade Cavalo, vocês é bobo. Sabe o que o senhor faz? Ó, hoje é que tá bão. E o tempo tava que era só: broum! Broum! Vai chovê muito. Amanhã cedo, à hora que o dono vem pegá vocês, vocês, deita, deita, não levanta não. Você já fez isso! Deita e finge de doente. Você é bobo, não sabe vivê.
Quando foi no outro dia cedo, o home levantô, ainda tava choveno, e ele falô:
- E agora? Vô buscá lenha pra secáa, pra depois queimá os tijolo.
Foi pr´o pasto. O cavalo tava correno, todo alegre, pelo pasto: quirrirru! Quirriru!...
Quando o cavalo viu o dono co´ o cabresto na mão, deito depressa e falo pr´o toro:
- Ó compade Toro, deita no chão que lá vem o home.
O toro se jogo no chão: bei! Caiu pranchado no chão.
O dono foi primero no cavalo:
- Levanta alazão, levanta alazão. E nada!
Depois foi o toro:
- Levanta meu toro, levanta meu toro. E nada também.
Aí o home falô:
- Buscá lenha eu não vô, porque tá muito moiado e os meus animal tá doente. Não qué levantá. Na cidade eu tamém não vô, porque meu cavalo não puxa carroça. Eu tenho uma lenha seca que tá aí debaxo do forno, então, eu vô aproveitá o dia e matá aquele porco que tá lá no chiquero. E o porco caiu na faca.
E por aqui termina minha história”.
Contado por Jesus Carlos Batista, 27 anos (1990), pouca instrução, lavrador, residente na Rua Penha, 210, Bairro São José-Olímpia.

4 – O MENDIGO E O REI

“Numa cidade morava um rei num palácio muito grande e nessa mesma cidade morava um velho muito pobre. O pobre morava numa casinha de barro de um só cômodo, quase caindo, e vivia das poucas esmolas que pedia. O coitadinho passava até fome.
Um dia fizeram um grande roubo no palácio. Conseguiram abrir o cofre do rei e levaram todo o tesouro.
O rei ficô desatinado. Urrava feito um leão. Deixô todo mundo desnorteado.
Depois que o rei acalmo, ele mandô publicá no jornal que daria uma boa recompensa, em dinheiro, pra quem adivinhasse que tinha roubado o seu tesouro.
Ninguém se apresentô. Mas, uma pessoa que não gostava do velho, por maldade, mandô avisá o rei que o velho mendigo sabia quem era o ladrão.
Então o rei mandô ir buscá o velho, pôs ele num quarto do palácio, e falô:
- Você tem três dias pra me dize o nome do ladrão que levô meu tesouro. Se dentro de três dias você não adivinhá, vai morrê enforcado.
O pobre velhinho disse consigo mesmo:
- Ó meu Deus, me socorra. Vim duma casa tão pobre pra morrê num palácio tão rico. E não vai te jeito de escapá dessa, porque não sei dizê quem é o ladrão. E começô a rezá muito.
O rei falô pr´os criados assim:
- Vocês tratam bem esse velho. Mande todos os dias a melhor comida que tivé aqui, a mesma que vai na mesa pra mim.
Então um criado foi no quarto aonde estava o velho e falô:
- O rei mandô tratá bem você. É pra trazê todo dia a melhor comida.
O velhinho então falô:
- Eu não estô acostumado a comê mais do que uma vez por dia. Então, se não fô incômodo, só traz comida quando dé meio-dia. É só uma vez por dia.
O criado saiu do quarto e o velho começô:
- Pai Nosso que estais no céu...
E depois pensava:
- Ai, meu Deus, faça esses três dias passá depressa. É duro ficá esperando a hora de sê enforcado.
Quando foi meio-dia, um criado levô uma bandeja grande com peru, leitão, batata e outra com melancia, abacaxi e otras coisas. O velho comeu com muita vontade e falô pr´o criado que foi a melhor comida que ele já tinha comido.
Então o criado pegô as bandejas pra levá pra cozinha e o velho disse com voz bem firma:
- Louvado seja Deus! Esse é o primeiro dos três dias que estô vendo passa.
Com isso, o velho queria se referi ao primeiro dos três dias de amargura, de sofrimento.
O criado ficô todo assustado. Chamô os otros dois companheiros e disse:
- Esse velho sabe mesmo quem roubô o tesouro. Ele falô, agradecendo a Deus, que o primeiro ele já tinha visto. Ele é mesmo um adivinhado.

E, pra tirá a prova, no segundo dia, foi o outro criado que participô do roubo, que levô a comida.
O mendigo comeu, comeu, comeu até enjoá.
Quando o criado retirô as vasilhas pra levá pra cozinha, ele agradeceu:
- Louvado seja Deus! Esse é o segundo dos três que está passando.
O criado saiu apressado pra cozinha. Estava tão nervoso que nem podia falá. Chamô os dois companheiros e disse:
- Nós estamos perdidos. O velho sabe mesmo que somos nós. O que devemos fazer?
Então, no terceiro dia, foi leva a comida pr´o velho o terceiro dos ladrões.
O velho quis comê tudo o que tinha nas bandejas porque era a última vez que ele ia comê na vida. Deixô as bandejas limpinhas. Entregô elas pr´o criado e falô:
- Louvado seja Deus! Este é o terceiro e o último que eu vejo passando.
O criado não agüentô o que ouviu. Caiu de joelhos nos pés do velho e disse:
- Já que o senhor sabe que fomos nós os ladrões do tesouro, nós pedimos pelo amor de Deus que o senhor não fale isso pr´o rei. Nós vamos devolver o tesouro pr´o senhor entregá pr´o rei, mas o senhor tem que jurá que não vai contá pra ele.
O velho, que já se sentia aliviado, porque não ia morrê enforcado, jurô que não ia falá o nome deles pr´o rei, mas fez um pedido:
- Vocês pegam o tesouro e, com muito cuidado, sem que ninguém veja, enterre debaixo daquele pé de cedro que tem perto do riozinho, lá na ponte do Tatu.
O criado respondeu:
- É pra já. Nós vamos faze como o senhor está pedindo, mas o senhor não fale pr´o rei que fomos nós.
Saiu e combinô com um deles pra fazê o serviço.
Quando bateu seis horas da tarde, o rei falô pra um dos criados:
- Deixa a forca no jeito. Se esse velho não adivinha, já fica tudo pronto pra enforcá ele.
E depois deu ordem pra outro criado ir chama o velho.
O velho saiu do quarto, muito calmo, foi ao salão e disse:
- Majestade, eu não vô consegui adivinhá o nome do ladrão, mas sô capaz de dizê aonde ele enterrô o seu tesouro. O tesouro, majestade, ele escondeu num buraco que ele fez debaixo daquele pé de cedro que tem lá na ponte do Rio Tatu. Pode mandá alguém lá pra vê.
O rei mandô dois criados pra lá, com enxada e enxadão. Não demorô quase nada, eles voltarem trazendo o rico tesouro do rei.
O rei ficô tão agradecido que deu uma boa quantia de dinheiro pr´o velho. Ele ficô rico. Comprô uma boa casa e viveu feliz pr´o resto da vida. Os três criados nunca mais pensaram em roubá o rei”.
Contado por José de Sousa Junior, 61 anos (1990), pouca instrução, comerciante, residente na Rua Dr. Otávio Lopes Ferraz, 419, Bairro São José – Olímpia

5 – O RELHO MÁGICO

“Tinha dois compadres que moravam numa mesma cidade. Um era rico e o outro muito pobre, pai de muitos filhos. O compadre pobre já não sabia mais o que fazer pra tratar dos filhos que estavam com muita fome.
Então, ele saiu, muito triste, para o meio de um pasto, sentou em cima de uma pedra e ficô chorando. Então apareceu Nosso Senhor, disfarçado num velhinho, e perguntou pra ele:
- O que é que você tem, meu filho? Por que está chorando?
O pobre contou pra ele o que estava se passando.
Nosso Senhor então falou:
- Não precisa ficar triste. Leve esta varinha de condão e chegando em sua casa, estenda uma toalha sobre uma mesa e fale: valei-me varinha de condão que Deus me deu, me dê tudo de bom.
O pobre pegou a varinha de condão, agradeceu o velho e foi depressa para casa.
Estendeu uma toalha sobre a mesa e fez direitinho o que aquele velho mandou. Em cima da toalha apareceram as comidas mais gostosas. Ele e a família comeram até não poder mais. E assim, todos os dias, ele dava boa comida para os filhos. Um dia, o compadre pobre resolveu convidar o compadre rico pra ir almoçar na casa dele. Sobre a toalha apareceu tanta comida boa, coisas que o rico comia só nos dias de festa.
Então, o rico perguntou pr´o pobre como foi que ele tinha conseguido aquela varinha tão misteriosa. O pobre contou tudo como foi.
Quando foi à noite, à hora que o pobre estava dormindo, o rico foi na casa dele, tirou a varinha de condão e pôs uma varinha comum no lugar dela.
À hora do almoço, o pobre apanhou a varinha e disse:
- Valei-me, varinha de condão que Deus me deu, me dê tudo de bom.
E sobre a toalha não apareceu nada. Aquela varinha era falsa.
O pobre ficou muito triste e saiu novamente para o pasto e foi sentar sobre aquela pedra, chorando.
Nosso Senhor, disfarçado em velhinho, apareceu novamente ao pobre. O pobre contou o que tinha acontecido.
Nosso Senhor disse:
- Não precisa chorar, meu filho. Eu vou dar pra você este burrinho. Quando você precisar de dinheiro, é só bater na anca dele e dizer: ponha ouro, meu burrinho.
O pobre foi, contente, para casa, puxando o burrinho pela corda.
Chegando em casa, disse:
- Burrinho que Deus me deu, ponha moedas de ouro para compra o que eu preciso.
E o chão ficou forrado de tantas moedas.
Passados uns dias, o rico ficou sabendo da existência daquele burrinho lá na casa do compadre e, como era muito invejoso, muito ambicioso, foi durante a noite, na casa do pobre, levou um burrinho simples e trocou por aquele que punha moedas de ouro.
Quando o pobre precisou das moedas, foi até o burrinho, bateu na anca dele e pediu que pusesse moedas de ouro. E nada!
O pobre logo compreendeu que tinha sido logrado, outra vez, pelo compadre rico.
Ficou muito triste e saiu novamente pelo pasto, indo sentar naquela mesma pedra. Sentou e pôs-se a chorar.
Nisso, apareceu aquele velhinho, que era Nosso senhor, e o pobre contou o que tinha acontecido.
Nosso Senhor, então disse:
- Não precisa chorar, meu filho. Esta vez eu vou lhe dar um relho. Você vai até a casa do seu compadre rico e peça pra ele devolver a varinha de condão e o burrinho que põe moedas de ouro. Ele vai dizer que não tem nada disso com ele. Então você peça para o relho bater nele.
O pobre pegou e relho e foi direto para a casa do compadre rico.
Chegando lá, falou pr´o compadre:
- Compadre, eu quero minha varinha de condão e o meu burrinho que põe moedas de ouro.
O rico respondeu:
- Eu não tenho nada disso, nem varinha e nem burrinho.
Então, o pobre falou:
- Valei-me, meu relho, que Deus me deu, dê uma surra bem dada neste invejoso, neste ladrão sem-vergonha.
E o relho, sozinho, saiu dando lambadas no malandro. Era só: pá, pá, pá, pá!
Quando o compadre rico percebeu que ia morrer de tantas relhadas, disse para o pobre:
- Manda este relho parar, compadre, senão eu morro. Eu vou buscar a varinha e o burrinho.
Com isto, o compadre pobre ficou muito mais rico do que o seu compadre rico.
Acabou a história e morreu a Vitória”.
Contado por Nair de Lima, 65 anos (1990), pouca instrução, do lar, residente no Abrigo São José, rua Benjamim Constant, 1505, Bairro da Santa Casa – Olímpia.

6 – O PESCADOR E SEUS FILHOS

“Num dia, um homem pobre, um pescadô, saiu bem de manhã pra pescá. Levô a tralha e foi pra beira do rio. Armô a vara de pesca e não demorô tempo nenhum, ela começô a envergá. Fisgô e tirô da água um peixe bonito, de bom tamanho. Quando ele tirô o anzol da boca do peixe, o peixe disse pra ele:
- Não quero que você me coma. Eu te peço pra me corta em oito pedaços iguais. Dois pedaços você dá pra tua égua, dois pra tua mulher, dois pra tua cadela e os otros dois você enterra no fundo do quintal.
O pescadô foi pra casa e fez tudo conforme o peixe mandô.
Passado o tempo certo, a égua deu cria dois potrinhos, a mulher teve filhos gêmeos, a cadela teve dois cachorrinhos e, no fundo do quintal, onde tinha enterrado os pedaços do peixe, apareceram duas lindas espadas.
O pescadô pensô:
- Aqui tem coisa! Parece um mistério. Parece que o peixe indicô alguma coisa pra mim. Vô espera pra vê o que vai acontecê.
O tempo foi passando e os dois meninos ficaram moços e decidiram saí de casa pra procurá serviço, ganhá a vida.
Falaram com o pai e o pai disse:
- Está bem, filhos. Vocês podem saí de casa, mas tomem muito cuidado. Vocês são gêmeos, muito parecidos e um pode pagá pelo erro do outro. Andem bem corretos para nada de mau acontecê. Eu não tenho dinheiro pra dá pra vocês leva, mas vô dá um cavalo bom pra cada um, um cachorro valente e uma espada das melhores. Siga cada um o destino que Deus der e que Ele abençoe muito vocês.
Os rapazes se prepararam, montaram seus cavalos, pegaram as espadas e se mandaram, seguidos dos dois cachorros.
Viajaram, viajaram. Conheceram muitos lugares. Um dia, indo por uma estrada, eles encontraram uma árvore muito grande que estava sobre um barranco. Descansaram na sombra da árvore e trocaram umas idéias.
Um disse pr´o outro:
- Eu acho que não dá certo nós dois fica andando juntos. Nós somos gêmeos, um muito parecido com o outro e isso pode não dá certo. Então, o melhor é nos se separá. Cada um deve segui um rumo diferente.
O irmão concordô e combinô com ele o seguinte:
- Então nós vamos quebrá um galho dessa árvore. Cada um de nós planta o galho nesse barranco. Um galho me representa e o outro representa você. Eu planto um galho do lado direito da árvore e você planta outro do lado esquerdo de quem vai pr´as bandas do riozinho que fica ali abaixo. Quando um quisé sabê notícia do outro e só voltá aqui e olhá o galho. Se ele estive verde, viçoso, é sinal de que o que planto está vivo e com saúde. Se estive murchando, indica que está doente, passando mal. E se estive seco é porque já morreu.
Combinaram, plantaram os galhos, se despedirem e cada um seguiu pr´um lado.
O que seguiu o caminho do riozinho, viajô, viajô muitos dias até chegá numa grande cidade. Lá, ele leu no jornal o anúncio que o rei mando publicá. O anúncio dizia que se alguém conseguisse salvá a filha dele, a princesa, que tinha sido sorteada pra sê engolida por um bicho-de-sete-cabeças, se casaria com ela.
Esse bicho vivia naquelas bandas, de cidade em cidade, pra se alimentá. Se as autoridades não oferecessem uma pessoa pra ele comê, ele destruía a cidade inteira.
O moço ficô entusiasmado em conhecê a princesa. Tomô informações e saiu à procura dela. Andô pela estrada e encontrô a coitadinha sentada num barranco, perto de uma mata, esperando a hora de sê engolida pelo enorme bicho. Era a princesa mais linda deste mundo. A roupa dela era maravilhosa. O vestido tinha sete saias. Os cabelos dela eram loiros e os olhos azuis. Era até um pecado deixá o bicho engoli uma moça tão linda.
O moço foi chegando de mansinho e, com muita delicadeza, disse:
- Como vai, princesa? O que está fazendo aqui, sozinha?
Ela, com ar muito triste, respondeu:
- O meu fim é triste. Estô aqui esperando a hora de sê engolida por um bicho medonho, de sete cabeças. Fui destinada para isto.
O moço, com muito jeito, chegô rentinho dela e sentô. A princesa, muito preocupada, disse:
- Eu acho bom você não ficá aqui. O bicho pode chegá agora e engoli você também.
Mas, o moço não deu muita importância pr´a conversa da princesa e não saiu de lá. Alisava os cabelos dela e dava muita coragem pra ela. Ela também começô a fazê cafuné no moço. E, de repente, ela adormeceu. Então, ele aproveitô a oportunidade e corto um pedaço de cada uma das sete saias e guardo no bolso do paletó dele. Fico ali mais um tempinho e nisso a princesa acordô. Nesse momento eles começaram a ouvi um barulho que vinha por perto: chué, chué, chué! Era o bicho faminto que se aproximava da princesa.
O moço deu um beijo na testa da princesa e correu pra junto do cavalo. Quando o bicho estava pertinho dela, ele gritô:
- Pula na garupa do meu cavalo, que eu te salvo.
Imediatamente ela pulô e o moço gritô:
- Pisa meu cavalo, corta minha espada e avança meu Leão (nome do cachorro).
Num instante deram fim ao monstro. Aí o moço pegô a espada e cortô a metade da língua de cada cabeça do bicho e guardô dentro de um embornal. Deixô o bichão mortinho, na estrada, e foi levá a princesa pr´o palácio. Ninguém viu os dois indo pra lá. Quando eles se separô, a princesa deu pr´o moço um cachorrinho bem ensinado, que obedecia todas as ordens. O moço arrumô hospedagem bem perto do palácio.
Depois de pouco tempo, passô naquela estada um carroceiro preto, com a roupa toda suja de carvão. Viu o bicho-de-sete-cabeças morto, estendido no chão, e teve uma brilhante idéia. Ele também tinha lido no jornal a notícia que o rei publicô: casamento da princesa com quem conseguisse livrá ela do monstro perigoso.
Não pensô duas vezes. Apanhou um facão que levava, cortô as sete cabeças, pôs na carroça e foi pr´o palácio.
No caminho ele pensava:
- Vô mudá a minha vida. Vô casá co´a filha do rei.
Chegô no palácio, pediu pr´o criado ir chama o rei e se apresentô como salvador da princesa. E entregô as provas, as sete cabeças.
O rei disse pr´o criado:
- Prepare um banho e melhores roupas para este moço. Ele vai sê meu genro. Palavra de rei não volta atrás. E já mandô prepará uma grande festa pr´o noivado e casamento da filha.
A princesa, muito tristonha, falo pr´o rei:
- Papai, não foi este moço que me salvô. Foi outro. Eu não quero casáa com este. Ele está mentindo.
O rei respondeu pra ela:
- Como não foi este? Ele trouxe a prova, as sete cabeças do monstro que ele matôo. Você não qué casá com ele, porque ele é preto. Mas, vai te que casá, porque eu dei a minha palavra.
A princesa tentava explicáa, mas o pai não mudava de idéia. Então o único consolo dela era chorá.
No dia seguinte, logo de manhã, começô a grande festa.
O moço convidô o cachorrinho e foram pra porta do palácio. Quando foi servida a primeira mesada de comidas e bebidas, o noivo negro pôs muita comida no prato, mas quando foi levá a primeira garfada na boca, o moço deu ordem pr´o cachorrinho:
- Vai lá e derruba o prato dele no chão.
O cachorro atendeu. O noivo já estava soltando fogo pelos olhos, de tão nervoso. E gritava:
- Não tem ninguém neste palácio pra tomá conta e não deixá este cachorro vagabundo entrá no salão de banquete?
Mas, o cachorrinho fez otras, otras e otras, obedecendo às ordens do moço.
A noiva, inconformada com o noivo que não era do gosto dela, chorava o tempo todo, de tanto desespero.
O rei começô a ficá desconfiado da situação.
Na hora de saí o casamento, o rapaz entrô no palácio, gritando:
- Pára, pára, pára com esse casamento falso!
Aí, o rei, embora já tivesse dado a sua palavra, percebeu que alguma coisa estava errada, voltô atrás e mandô pará a cerimônia.
O moço perguntô:
- O que está acontecendo aqui?
O rei falô:
- É que este noivo mato o bicho-de-sete-cabeças, então ele vai casá com a princesa, minha filha.
O moço perguntô:
- Vossa Majestade tem a prova de que foi ele mesmo que matô o bicho?
- Sim, tenho.
- E o que é?
- São as sete cabeças do bicho.
- E nas sete cabeças as línguas estão inteiras?
O rei mandô verifica e viu que não estavam.
O moço respondeu:
- São estas as partes da língua que faltam. E, estão aqui todas as sete.
Então o moço tirô do embornal as sete pontas das línguas e pediu pra ir verificá se elas completam as línguas do monstro.
E eram mesmo as pontas das línguas dele.
A princesa continuava dizendo pr´o pai:
- É esse moço aí, papai, que me salvô.
O noivo negro bufava de raiva.Queria matá o moço visitante.
Mas, o moço fez outra pergunta pr´o rei:
- O vestido da princesa, naquele dia que ela ia sê devorada pelo bicho, quantas saias ela usava?
O rei respondeu:
- Eram sete saias.
Então, o moço tirô no bolso do meu paletó os sete pedacinhos das saias e pediu pr´o rei mandá ir verificá se não estava faltando um pedaço de cada uma delas.
O rei chegou à conclusão de que tudo o que o moço falava era a pura verdade. Virô pr´o moço e perguntô:
- O que que você qué que eu faça com este noivo mentiroso?
O moço respondeu:
- Quero que asse ele numa fornalha.
E foi isto que o rei mandô fazê.
A festa no palácio continuô, mas desta vez com o noivo verdadeiro. O casamento foi maravilhoso e a festa durô três dias.
Terminada a festa, o rei deu um palácio muito chique para o novo casal.
No dia seguinte, o esposo da princesa se levantô e foi para a área do palácio. De lá ele avistô uma torre, muito distante, e perguntô pra mulher:
- O que é aquela torre lá longe?
Ela respondeu:
- É a torre da Babilônia. Quem fô lá não retorna nunca mais.
O marido ficô curioso por sabê o que tinha lá, queria descobri aquele mistério, mas não disse nada pra esposa.
No dia seguinte, de manhã, ele pediu pra esposa prepará uma merenda, que ele ia viajá, mas voltava logo. Montô no cavalo, levô a espada e o Leão e foi pará na torre da Babilônia.
Quando foi chegando, uma velhinha foguetera, assanhada, foi dizendo:
- Chega pra cá, meu filho, vamos dançá. Ela balançava os braços, requebrava-se toda e sorria muito contente: quié, quié, quié!
Depois, ela arrancô um fio de cabelo e disse pr´o moço.
- Vai lá e amarra o teu cavalo!
Em seguida, ela tirô outro fio e mandô ele ir amarrá o cachorro. E com outro fio, mandô amarrá a espada. O bobo do moço obedeceu todas as ordens da velha.
Aí ela chamô ele pra continuá dançando. Ele foi. A velhinha se rebolava, fazia graça, girava o corpo dele, cantava, ria. O moço quis acompanhá os movimentos da velha, mas percebeu que estava ficando fora de si e gritô:
- Pisa meu cavalo, corta minha espada e avança meu Leão.
E a velha falo:
- Engrossa, meu cabelão!
Nisso os cabelos dela viraram grossas correntes de aço que ninguém dava conta de rompê-las. Foi nessa hora que a velha encantô o moço, o cavalo, a espada e o cachorro. Saiu vitoriosa. E o moço lá ficô, sem podê retorná.
A princesa, no palácio, aguardava ansiosa a volta do esposo.
Nesse meio de tempo, o outro irmão gêmeo, que estava pras otras bandas, sentiu saudades do irmão e resolveu ir naquele barranco e vê como estava o galho que o irmão plantô. Chegô e encontrô o galho murcho, quase secando. Pensô:
- Ele está muito mal. Vô atrás dele.
Tomô a direção que o irmão tinha tomado e saiu galopando o seu cavalo: placatá, placatá, placatá.
Andô, andô, andô até chegá numa cidade grande. Quando ele ia passando perto do palácio, ele viu na área uma moça sorridente que acenava um lenço branco pra ele. Ela estava muito contente. Falô pra ele mesmo:
- Deve sê da família.
E a moça falava bem alto:
- Vem pra cá logo, meu bem.
Aí, ele já não tinha mais dúvida. E dizia:
- Esta é a noiva ou mulher de mau irmão. Ela está pensando que eu sô o meu irmão. E ela tem razão, nós somos gêmeos.
E resolveu ir no palácio.
Chegô, entrô e a princesa disse:
- Eu já estava morrendo de saudade de você. Por que se demorô tanto pra voltá?
O moço entrô meio ressabiado. Logo a princesa serviu o almoço. Ele comeu pouco. Conversô pouco também.
A princesa achou o marido meio diferente, muito preocupado.
Quando chegô a hora de ir dormir, o moço estava desapontado. Mas, pra não deixá-la aborrecida, foi se deita co´ela. Deitô e botô a espada separando um do outro. A princesa achô aquilo estranho, ficô aborrecida com a atitude do esposo e até chorô pelo desprezo que ele estava dando.
No outro dia, ele levantô muito cedo. A princesa também se levantô e foi prepara o café. Tomaram o café e o moço saiu pra área. De lá ele viu a torre muito distante e perguntô:
- O que é aquela torre lá longe?
A princesa respondeu:
- Não te disse, ainda ontem, que é a torre da Babilônia e que toda a pessoa que fô lá nunca mais retorna?
O moço logo compreendeu que o irmão devia estar lá.
Pediu pr´a princesa arrumá uma merenda, porque ele ia dá um passeio pelos campos, mas não ia demorá.
Montô no cavalo, já com a espada, e foi acompanhado pelo cachorro, também chamado Leão. Andô muito e chegô na torre da Babilônia.
A velhinha, quando viu o rapaz, já foi dizendo:
- Vem chegando, meu filho. Vamos dançá, vem, vem. E cantava: lá, lá,lá,lá... E ria demais. Pegô ele pelos braços e rodava, dançava, pulava.
De repente, ela parô de dançá, tirô um fio de cabelo dela e pediu pra ele ir amarrá o cavalo. O moço fez que amarrô, mas não amarrô. Do mesmo jeito ele fez quando ela pediu pra ele ir amarrá a espada e o cachorro.
Depois ela falô pro moço:
- Vamos continuá dançando. O moço dançô mais um pouco, mas quando ele percebeu que ia se transformá, ele gritô:
- Pisa meu cavalo, corta minha espada e avança meu Leão.
E a velhinha pediu:
- Engrossa meu cabelão.
Nessa hora uma voz respondeu:
- Como eu posso engrossá, se eu estô no chão?
E o cavalo pisô, a espada cortô e